Cesaréia era uma cidade portuária que ficava a quarenta e cinco quilômetros de Jope, e foi onde Saulo embarcou para Tarso quando saiu de Jerusalém (cap. 9:30). Era de importância estratégica para o exército romano, que tinha ali um centurião chamado Cornélio.
O centuriões sempre aparecem sob um aspecto favorável no Novo Testamento (Mateus 8:5, Lucas 7:2, 23:47, Atos 10:1, 22:25, 27:3). Uma legião romana se compunha de dez coortes e sessenta centúrias. Está comprovado que nas províncias romanas havia coortes de cidadãos voluntários vindos da Itália, tal como esta mencionada por Lucas, em cuja lealdade o procurador romano podia confiar.
Cornélio se distinguia por ser, com toda a sua casa, piedoso e temente a Deus, a quem orava consistentemente, e era generoso com suas esmolas aos necessitados. Embora gentio, ele talvez conhecia e cria no verdadeiro Deus, devido ao seu intercâmbio com os judeus.
Cornélio servia a Deus da maneira que considerava apropriado, segundo seu pouco conhecimento. Não era o suficiente para salvá-lo, mas a sua prática da justiça o tornou aceitável a Deus (v. 35), que providenciou para que ele viesse a conhecer o Evangelho a fim de que fosse salvo (cap. 11:14). O evangelista escolhido por Deus para essa tarefa foi Pedro, e Deus interveio diretamente a fim de que o encontro se desse entre os dois, estando Pedro alojado na casa do curtidor Simão em Jope.
Esta é a resposta que Deus dá à pergunta frequentemente formulada: “O que acontece com aqueles que são “bons” mas não conhecem o Evangelho, e assim não podem aceitar ou rejeitar a Cristo?” A resposta é que Deus trará a luz para tal pessoa, fazendo com que ele venha a saber do Evangelho. Pode ser mediante contato pessoal com um cristão, por uma mensagem pelo rádio, por um folheto, etc. Muitos vêm à luz quando a procuram na Bíblia, que fala por si.
Deus primeiro deu uma visão a Cornélio: não foi um sonho, e poderia ter acontecido quando Cornélio estava orando, sendo três horas da tarde, depois da refeição do meio-dia. A sua visão foi de um anjo de que se dirigia para ele chamando-o pelo seu nome “Cornélio!” Ele se distinguia pelas suas vestes resplandecentes, e Cornélio ficou atemorizado. Chamou-o de “Senhor” e perguntou “O que é?”
O anjo declarou que suas orações e suas esmolas haviam subido para memória diante de Deus (como a fumaça do incenso – Apocalipse 8:4), e o comandou a enviar homens a Jope e chamar Pedro. Cornélio obedeceu imediatamente e escolheu três homens: dois domésticos e um soldado piedoso para a sua proteção, contou-lhes o que se passara e os enviou com essa tarefa. Já era tarde, e tiveram que pernoitar no caminho, chegando a Jope depois do meio-dia do dia seguinte.
Enquanto isso, Deus preparou Pedro para proclamar o Evangelho ao gentio Cornélio, pois Pedro ainda estava preso a preconceitos contra os gentios por causa do judaísmo em que havia crescido. Essa barreira era intransponível para os homens, e ainda existe hoje, não só no judaísmo, mas também no islamismo e em diversas seitas e instituições religiosas que se dizem cristãs mas impedem que os seus adeptos ouçam e venham ao conhecimento do verdadeiro Evangelho de Cristo.
Era meio-dia, a refeição ainda não estava pronta e Pedro subiu ao eirado (uma laje que cobria a casa em lugar de telhado) para orar. Estava com fome, o que era propício para o que se seguiu. Sobreveio-lhe um êxtase (estado em que uma pessoa se encontra como que transportado para fora de si e do mundo sensível), e nesse estado viu o céu aberto e um objeto semelhante a um lençol atado nas quatro pontas sendo baixado à terra, contendo variedades de todos os quadrúpedes, répteis e aves.
Uma voz lhe ordenou que levantasse, matasse e comesse daqueles animais. É possível que Pedro tenha reconhecido a voz do Senhor Jesus, pois não teve medo e disse confiadamente que de modo nenhum faria isso porque “nunca comi” e, subentende-se “nem vou começar a comer agora”. Talvez Pedro pensava que estava sendo provado pois havia ali animais cuja carne era proibida aos judeus pela lei de Moisés. Chamou-O de “Senhor”, mas não quis obedecê-lO.
O crente não deve dizer “de modo nenhum” ao Senhor, pois é claramente uma desobediência. No entanto, nesta ocasião Pedro o fez por três vezes (assim como havia negado o Senhor três vezes anteriormente). Na segunda vez a Voz o repreendeu “Não chames tu comum ao que Deus purificou”. Ele havia chamado de “comum” o que Deus lhe havia oferecido para matar e comer, assim estava querendo mostrar que era ainda mais piedoso do que o seu Senhor. É uma ilustração da obstinação por parte de alguém quando descobre que Deus se opõe às suas próprias preferências e preconceitos. Vemos muito disto hoje também.
A lei de Moisés distinguia cerimonialmente entre os animais “limpos” e os “imundos” sendo que não era permitido comer a carne dos “imundos”. Mas desde o dia de Pentecoste, quando a igreja fora batizada com o Espírito Santo, iniciou-se um novo período quando a lei de Moisés foi substituída pela graça de Deus (Gálatas 5), ao alcance do mundo inteiro. Entre outras coisas, cessou a distinção entre os judeus (a “circuncisão”) e os gentios (os “incircuncisos”), entre animais “limpos” e os “imundos”, etc.
Era isto que Deus estava ensinando a Pedro através da visão dos animais. Assim como Pedro podia agora comer de tudo, pois o que era imundo havia sido purificado com a inutilização da lei, também havia cessado a distinção entre judeus e gentios, pois a graça de Deus alcança a todos.
O objeto foi recolhido ao céu, e Pedro ficou refletindo, perplexo, sobre o que seria o propósito dessa visão. Desde sua infância Pedro havia aprendido a distinguir entre alimentos “limpos” e “imundos”, e talvez não havia entendido quando o Senhor outrora havia dito “não compreendeis que tudo o que de fora entra no homem não o pode contaminar”, assim declarando puros todos os alimentos. (Marcos 7:18,19).
A resposta não tardou: ouviu-se a voz dos homens enviados por Cornélio, à porta, indagando se ele estava hospedado ali. Enquanto ele ainda meditava, o Espírito instruiu que ele descesse e fosse com eles, nada duvidando, porque fora Ele quem os mandara. Pedro tinha sido escolhido por Deus para abrir a porta da salvação aos gentios, que ele havia sempre considerado como impuros, estrangeiros, distantes e sem Deus. Os gentios, representados pelos animais impuros, iam receber o Espírito Santo da mesma forma como os judeus convertidos.
Pedro falou com os emissários de Cornélio, e depois de ouvir sobre o bom caráter dele e da sua visão do anjo que o mandara chamar, Pedro os hospedou aquela noite e partiu com eles no dia seguinte, sendo ainda acompanhados por seis irmãos de Jope. Pernoitaram no caminho, e entraram em Cesaréia no próximo dia, o terceiro depois que Cornélio tivera a sua visão.
Cornélio havia reunido em sua casa seus parentes e amigos mais íntimos para receberem Pedro e, vendo-o chegar, prostrou-se aos seus pés e o adorou. Pedro prontamente o ergueu, dizendo “levanta-te, porque eu também sou homem.” É uma advertência também para aqueles que, ainda hoje, “veneram” e se dobram diante das estátuas que entendem ser de “São” Pedro, e daqueles que se dizem ser seus sucessores.
Pedro explicou a todos que havia aprendido de Deus que “não devia chamar nenhum homem de comum ou imundo”: ele havia descoberto o propósito da sua visão dos animais.
A pedido de Pedro, Cornélio lhe contou a sua própria visão, e Pedro declarou que reconhecia que Deus não faz acepção de pessoas.
Pedro anunciou a “palavra de Deus ... anunciando a paz por Jesus Cristo”, dando seu próprio testemunho a respeito de “Jesus de Nazaré”. Começou pelo batismo de João Batista e terminou com a Sua morte e ressurreição. Declarou então que o Senhor Jesus o ordenara a testificar que “Ele fora constituído juiz dos vivos e dos mortos” e que conforme todos os profetas “todo o que nele crê receberá a remissão dos pecados pelo Seu nome”.
Antes mesmo dele terminar, Cornélio e os seus parentes e amigos íntimos creram em Jesus Cristo e foram salvos. No mesmo instante receberam o Espírito Santo da parte de Deus, que foi manifestado a Pedro e os outros irmãos por falarem línguas e glorificar a Deus do mesmo modo que havia acontecido com os discípulos no dia de Pentecoste (cap. 11:15). Em vista disso, Pedro ordenou que fossem batizados em nome de Jesus Cristo.
A ordem dos acontecimentos na conversão, tanto de judeus como de gentios, continua sendo esta até hoje: ouvir a Palavra (crer – v.44), receber o Espírito Santo (dom espontâneo de Deus – v.44, 47) e ser batizado (v. 48).
1 Um homem em Cesaréia, por nome Cornélio, centurião da coorte chamada italiana,
2 piedoso e temente a Deus com toda a sua casa, e que fazia muitas esmolas ao povo e de contínuo orava a Deus,
3 cerca da hora nona do dia, viu claramente em visão um anjo de Deus, que se dirigia para ele e lhe dizia: Cornélio!
4 Este, fitando nele os olhos e atemorizado, perguntou: Que é, Senhor? O anjo respondeu-lhe: As tuas orações e as tuas esmolas têm subido para memória diante de Deus;
5 agora, pois, envia homens a Jope e manda chamar a Simão, que tem por sobrenome Pedro;
6 este se acha hospedado com um certo Simão, curtidor, cuja casa fica à beira-mar. [Ele te dirá o que deves fazer.]
7 Logo que se retirou o anjo que lhe falava, Cornélio chamou dois dos seus domésticos e um piedoso soldado dos que estavam a seu serviço;
8 e, havendo contado tudo, os enviou a Jope.
9 No dia seguinte, indo eles seu caminho e estando já perto da cidade, subiu Pedro ao eirado para orar, cerca de hora sexta.
10 E tendo fome, quis comer; mas enquanto lhe preparavam a comida, sobreveio-lhe um êxtase,
11 e via o céu aberto e um objeto descendo, como se fosse um grande lençol, sendo baixado pelas quatro pontas sobre a terra,
12 no qual havia de todos os quadrúpedes e répteis da terra e aves do céu.
13 E uma voz lhe disse: Levanta-te, Pedro, mata e come.
14 Mas Pedro respondeu: De modo nenhum, Senhor, porque nunca comi coisa alguma comum e imunda.
15 Pela segunda vez lhe falou a voz: Não chames tu comum ao que Deus purificou.
16 Sucedeu isto por três vezes; e logo foi o objeto recolhido ao céu.
17 Enquanto Pedro refletia, perplexo, sobre o que seria a visão que tivera, eis que os homens enviados por Cornélio, tendo perguntado pela casa de Simão, pararam à porta.
18 E, chamando, indagavam se ali estava hospedado Simão, que tinha por sobrenome Pedro.
19 Estando Pedro ainda a meditar sobre a visão, o Espírito lhe disse: Eis que dois homens te procuram.
20 Levanta-te, pois, desce e vai com eles, nada duvidando; porque eu tos enviei.
21 E descendo Pedro ao encontro desses homens, disse: Sou eu a quem procurais; qual é a causa por que viestes?
22 Eles responderam: O centurião Cornélio, homem justo e temente a Deus e que tem bom testemunho de toda a nação judaica, foi avisado por um santo anjo para te chamar à sua casa e ouvir as tuas palavras.
23 Pedro, pois, convidando-os a entrar, os hospedou. No dia seguinte levantou-se e partiu com eles, e alguns irmãos, dentre os de Jope, o acompanharam.
24 No outro dia entrou em Cesaréia. E Cornélio os esperava, tendo reunido os seus parentes e amigos mais íntimos.
25 Quando Pedro ia entrar, veio-lhe Cornélio ao encontro e, prostrando-se a seus pés, o adorou.
26 Mas Pedro o ergueu, dizendo: Levanta-te, que eu também sou homem.
27 E conversando com ele, entrou e achou muitos reunidos,
28 e disse-lhes: Vós bem sabeis que não é lícito a um judeu ajuntar-se ou chegar-se a estrangeiros; mas Deus mostrou-me que a nenhum homem devo chamar comum ou imundo;
29 pelo que, sendo chamado, vim sem objeção. Pergunto pois: Por que razão mandastes chamar-me?
30 Então disse Cornélio: Faz agora quatro dias que eu estava orando em minha casa à hora nona, e eis que diante de mim se apresentou um homem com vestiduras resplandecentes,
31 e disse: Cornélio, a tua oração foi ouvida, e as tuas esmolas estão em memória diante de Deus.
32 Envia, pois, a Jope e manda chamar a Simão, que tem por sobrenome Pedro; ele está hospedado em casa de Simão, curtidor, à beira-mar.
33 Portanto mandei logo chamar-te, e bem fizeste em vir. Agora pois estamos todos aqui presentes diante de Deus, para ouvir tudo quanto te foi ordenado pelo Senhor.
34 Então Pedro, tomando a palavra, disse: Na verdade reconheço que Deus não faz acepção de pessoas;
35 mas que lhe é aceitável aquele que, em qualquer nação, o teme e pratica o que é justo.
36 A palavra que ele enviou aos filhos de Israel, anunciando a paz por Jesus Cristo (este é o Senhor de todos) -
37 esta palavra, vós bem sabeis, foi proclamada por toda a Judéia, começando pela Galiléia, depois do batismo que João pregou,
38 concernente a Jesus de Nazaré, como Deus o ungiu com o Espírito Santo e com poder; o qual andou por toda parte, fazendo o bem e curando a todos os oprimidos do Diabo, porque Deus era com ele.
39 Nós somos testemunhas de tudo quanto fez, tanto na terra dos judeus como em Jerusalém; ao qual mataram, pendurando-o num madeiro.
40 A este ressuscitou Deus ao terceiro dia e lhe concedeu que se manifestasse,
41 não a todo povo, mas às testemunhas predeterminadas por Deus, a nós, que comemos e bebemos juntamente com ele depois que ressurgiu dentre os mortos;
42 este nos mandou pregar ao povo, e testificar que ele é o que por Deus foi constituído juiz dos vivos e dos mortos.
43 A ele todos os profetas dão testemunho de que todo o que nele crê receberá a remissão dos pecados pelo seu nome.
44 Enquanto Pedro ainda dizia estas coisas, desceu o Espírito Santo sobre todos os que ouviam a palavra.
45 Os crentes que eram de circuncisão, todos quantos tinham vindo com Pedro, maravilharam-se de que também sobre os gentios se derramasse o dom do Espírito Santo;
46 porque os ouviam falar línguas e magnificar a Deus.
47 Respondeu então Pedro: Pode alguém porventura recusar a água para que não sejam batizados estes que também, como nós, receberam o Espírito Santo?
48 Mandou, pois, que fossem batizados em nome de Jesus Cristo. Então lhe rogaram que ficasse com eles por alguns dias.
Livro de Atos, capítulo 10