Davi estava em perigo de morte por causa do ódio do rei Saul. Deixando a escola de profetas de Samuel, e levando consigo alguns soldados que lhe eram fiéis, ele se dirigiu primeiro ao sacerdote Aimeleque, que habitava com outros sacerdotes em Nobe, uma pequena cidade ao norte de Jerusalém.
Deixando os seus homens, Davi foi pedir três coisas a Aimeleque, que havia saído ao seu encontro: que consultasse ao SENHOR, que desse pão para si e seus homens, e uma arma. Aimeleque estava com medo de ajudá-lo, porque decerto todos já sabiam que Saul se tornara inimigo de Davi. Por isso Davi o enganou, dizendo que estava ali a serviço de Saul.
Nada é dito sobre o que seria a consulta ao SENHOR (22:10,15), nem a resposta.
O único pão disponível eram os pães da proposição: eram doze pães, cada um contendo aproximadamente 4 quilos de farinha, que ficavam perante o SENHOR no tabernáculo, e eram trocados todo o sábado. Os que eram tirados deviam ser comidos pelo sumo sacerdote e seus filhos (Levítico 24:5-9). Era chamado "pão sagrado" por causa disso.
Aimeleque e Davi consideraram que era mais importante dar alimento àqueles homens famintos do que obedecer à letra da lei. O sacerdote apenas exigiu a confirmação de Davi que os seus homens estavam cerimonialmente limpos. Ele compreendia bem o espírito da lei.
O Senhor Jesus lembrou aos fariseus desse fato, mil anos depois, e lhes disse "misericórdia quero, e não holocaustos" (Mateus 12:3-4). As necessidades humanas têm prioridade sobre rituais e cerimônias religiosas.
Um edomita, chamado Doeg (Medroso), detido no santuário por causa de um voto ou pela necessidade de purificação, chefe dos pastores de Saul, presenciou tudo. Depois foi contar tudo para Saul. Davi escreveu o Salmo 52 para registrar a sua maldade.
Estando desarmado, Davi novamente inventou alguma coisa para fazer com que o sacerdote Aimeleque lhe desse uma arma - e a arma que ele lhe deu foi a espada que tinha pertencido ao gigante Golias. Como troféu da batalha, ela realmente pertencia a Davi.
Davi em seguida fugiu para longe de Saul, procurando refúgio com o seu inimigo Aquis, rei da cidade de Gate, habitada pelos filisteus (e ainda levando com ele a espada de Golias, que provinha dali). Mas os servos de Aquis fizeram o rei recordar que as mulheres israelitas haviam composto canções para celebrar as proezas militares de Davi.
Eles aqui chamam Davi de "rei da sua terra": eles não teriam conhecimento da unção secreta de Davi como rei de Israel por Samuel, mas estavam se referindo à sua posição de comando no exército israelita.
Com medo do que Aquis lhe poderia fazer, Davi fingiu-se de louco diante dos filisteus. Aparentemente convencido da sua loucura, Aquis repreendeu os seus servos por terem-no trazido à sua presença, e o deixou livre, porque era costume não fazer mal aos deficientes mentais. Davi escreveu o Salmo 34 para celebrar este episódio em sua vida.
Agora se inicia uma fase na vida de Davi em que ele tem que se esconder pelas cavernas do seu mundo, aprendendo a ter paciência, e confiar na mão poderosa do SENHOR, e a socorrer os aflitos e necessitados com o pouco que ele próprio tem. Ele é perseguido e caçado como se fosse um animal selvagem, e é obrigado a fugir e a se esconder para não ser morto por um rei furioso e os seus asseclas.
Davi se compara, durante esse tempo, com:
uma pulga (1 Samuel 26:20);
uma perdiz (1 Samuel 26:20);
um pelicano no deserto (Salmo 102:6);
uma coruja das ruínas (Salmo 102:6);
uma alma entre leões famintos (Salmo 57:4);
àquele para cujos passos armaram rede (Salmo 57:6);
àquele diante de quem abriram cova (Salmo 57:6).
Saindo de Gate, Davi percorreu dezesseis quilômetros para o sudeste, chegando a uma caverna. Ela estava próxima a uma cidade estratégica, Adulão, antiga cidade real dos cananeus, situada na borda ocidental duma região montanhosa, próxima à fronteira filistéia.
Existem ali várias cavernas ainda hoje, e algumas podem conter até trezentos homens. A caverna onde Davi se refugiou estava apenas a uns vinte quilômetros de Belém, sua cidade natal.
Os pais e os irmãos de Davi, ao saber onde ele se encontrava, e temendo represálias do rei Saul por causa do seu parentesco com ele, mudaram para lá também.
Outros também foram se refugiar com ele: eram os que se achavam em aperto, os endividados e os amargurados de espírito. Como Davi, eles se achavam rejeitados pela sociedade em que viviam e procuravam um novo começo ao lado dele.
Existe um paralelo maravilhoso entre este período na história de Davi, que durou uns dez anos, e a história atual relativa ao seu grande descendente, o Senhor Jesus Cristo. Estamos vivendo nos dias da Sua rejeição pelo mundo. Como Saul, o Seu inimigo o diabo anda em derredor, como leão que ruge, procurando alguém para devorar (1 Pedro 5:8). Nestes dias o Senhor Jesus Cristo está chamando ao Seu nome um povo para fora do mundo. São os que estão em aperto, endividados, descontentes:
Muitos haviam sido leais a Saul, mas foram obrigados a deixá-lo, porque corriam perigo de vida, e se refugiaram com Davi. O Senhor Jesus está pronto a aliviar os que estiverem cansados e oprimidos. Muitos hoje estão procurando fugir aos problemas da vida: alguns recorrem às drogas, ao álcool e até mesmo ao suicídio. Mas o Filho do Homem veio buscar e salvar o perdido (Lucas 19:10). Ele quer e pode nos ajudar pois naquilo que ele mesmo sofreu, tendo sido tentado, é poderoso para socorrer os que são tentados (Hebreus 2:18).
Os endividados foram se esconder com Davi. Endividamento destrói a vida de uma pessoa. Naqueles dias podia levar à penúria e até à escravidão. Igualmente, o pecado nos faz devedores a Deus e nos escraviza. Só Deus pode nos perdoar, porque Cristo pagou a nossa dívida ao morrer na cruz. Ele pode nos libertar se recorrermos a Ele.
Os descontentes também vieram a Davi. Eles estavam amargurados pelas circunstâncias e experiências da vida. Hoje em dia, também, existe uma onda de descontentamento cobrindo o mundo. Mas o Senhor Jesus, rejeitado pelo mundo, convida: vinde a Mim todos os que estais cansados e sobrecarregados, que Eu vos aliviarei (Mateus 11:28).
Saindo da caverna, Davi levou seus pais para Moabe, do outro lado do mar Morto, de modo que eles pudessem estar fora do alcance de Saul. Seu pai Jessé era neto de Rute, moabita, e isso seria um motivo para que fosse tratado bem pelo rei dos moabitas. Depois, seguindo o conselho do profeta Gade, Davi voltou para o bosque de Herete, próximo de Adulã, no território da sua tribo, Judá.
O rei Saul, paranóico, convocou seus homens, da sua tribo de Benjamim, e reclamou que eles estavam protegendo Davi e não o tinham prevenido que seu filho, Jônatas, havia instigado Davi contra ele: era tudo produto da sua imaginação doentia.
O edomita Doegue delatou o encontro havido entre o sacerdote Aimeleque e Davi. Saul convocou o sacerdote à sua presença com todos os outros sacerdotes, condenou-os à morte, e Doegue foi o carrasco, matando também suas famílias.
Mas escapou um, cujo nome era Abiatar: ele se refugiou com Davi, que se julgou culpado pelas mortes, por ter procurado e enganado Aimeleque. Assim Davi preservou a ordem sacerdotal de Arão.
Capítulo 21:
1 Então, veio Davi a Nobe, ao sacerdote Aimeleque; e Aimeleque, tremendo, saiu ao encontro de Davi e disse-lhe: Por que vens só, e ninguém, contigo?
2 E disse Davi ao sacerdote Aimeleque: O rei me encomendou um negócio e me disse: Ninguém saiba deste negócio pelo qual eu te enviei e o qual te ordenei; quanto aos jovens, apontei-lhes tal e tal lugar.
3 Agora, pois, que tens à mão? Dá-me cinco pães na minha mão ou o que se achar.
4 E, respondendo o sacerdote a Davi, disse: Não tenho pão comum à mão; há, porém, pão sagrado, se ao menos os jovens se abstiveram das mulheres.
5 E respondeu Davi ao sacerdote e lhe disse: Sim, em boa fé, as mulheres se nos vedaram desde ontem; e, anteontem, quando eu saí, o corpo dos jovens também era santo; e em alguma maneira é pão comum, quanto mais que hoje se santificará outro no corpo!
6 Então, o sacerdote lhe deu o pão sagrado, porquanto não havia ali outro pão, senão os pães da proposição, que se tiraram de diante do SENHOR, para se pôr ali pão quente, no dia em que aquele se tirasse.
7 Estava, porém, ali, naquele dia, um dos criados de Saul, detido perante o SENHOR; e era seu nome Doegue, edomita, o mais poderoso dos pastores de Saul.
8 E disse Davi a Aimeleque: Não tens aqui à mão lança ou espada alguma? Porque não trouxe à mão nem a minha espada nem as minhas armas, porque o negócio do rei era apressado.
9 E disse o sacerdote: A espada de Golias, o filisteu, a quem tu feriste no vale do Carvalho, eis que ela aqui está, envolta num pano detrás do éfode; se tu a queres tomar, toma-a, porque nenhuma outra há aqui, senão aquela. E disse Davi: Não há outra semelhante; dá-ma.
10 E Davi levantou-se, e fugiu, aquele dia, de diante de Saul, e veio a Aquis, rei de Gate.
11 Porém os criados de Aquis lhe disseram: Não é este Davi, o rei da terra? Não se cantava deste nas danças, dizendo: Saul feriu os seus milhares, porém Davi, os seus dez milhares?
12 E Davi considerou essas palavras no seu ânimo e temeu muito diante de Aquis, rei de Gate.
13 Pelo que se contrafez diante dos olhos deles, e fez-se como doido entre as suas mãos, e esgravatava nas portas do portal, e deixava correr saliva pela barba.
14 Então, disse Aquis aos seus criados: Eis que bem vedes que este homem está louco; por que mo trouxestes a mim?
15 Faltam-me a mim doidos, para que trouxésseis este que fizesse doidices diante de mim? Há de este entrar na minha casa?
Capítulo 22:
1 Então, Davi se retirou dali e se escapou para a caverna de Adulão; e ouviram-no seus irmãos e toda a casa de seu pai e desceram ali para ele.
2 E ajuntou-se a ele todo homem que se achava em aperto, e todo homem endividado, e todo homem de espírito desgostoso, e ele se fez chefe deles; e eram com ele uns quatrocentos homens.
3 E foi-se Davi dali a Mispa dos moabitas e disse ao rei dos moabitas: Deixa estar meu pai e minha mãe convosco, até que saiba o que Deus há de fazer de mim.
4 E trouxe-os perante o rei dos moabitas, e ficaram com ele todos os dias que Davi esteve no lugar forte.
5 Porém o profeta Gade disse a Davi: Não fiques naquele lugar forte; vai e entra na terra de Judá. Então, Davi foi e veio para o bosque de Herete.
6 E ouviu Saul que já se sabia de Davi e dos homens que estavam com ele: e estava Saul em Gibeá, debaixo de um arvoredo, em Ramá, e tinha na mão a sua lança, e todos os seus criados estavam com ele.
7 Então, disse Saul a todos os seus criados que estavam com ele: Ouvi, peço-vos, filhos de Benjamim, dar-vos-á também o filho de Jessé, a todos vós, terras e vinhas, e far-vos-á a todos chefes de milhares e chefes de centenas,
8 para que todos vós tenhais conspirado contra mim? E ninguém há que me dê aviso de que meu filho tem feito aliança com o filho de Jessé; e nenhum dentre vós há que se doa de mim e mo participe, pois meu filho tem contra mim sublevado a meu servo, para me armar ciladas, como se vê neste dia.
9 Então, respondeu Doegue, o edomita, que também estava com os criados de Saul, e disse: Ao filho de Jessé vi vir a Nobe, a Aimeleque, filho de Aitube,
10 o qual consultou por ele o SENHOR, e lhe deu mantimento, e lhe deu também a espada de Golias, o filisteu.
11 Então, o rei mandou chamar a Aimeleque, sacerdote, filho de Aitube, e a toda a casa de seu pai, e aos sacerdotes que estavam em Nobe; e todos eles vieram ao rei.
12 E disse Saul: Ouve, peço-te, filho de Aitube. E ele disse: Eis-me aqui, senhor meu.
13 Então, lhe disse Saul: Por que conspirastes contra mim, tu e o filho de Jessé? Pois deste-lhe pão e espada e consultaste por ele a Deus, para que se levantasse contra mim a armar-me ciladas, como se vê neste dia?
14 E respondeu Aimeleque ao rei e disse: E quem, entre todos os teus criados, há tão fiel como Davi, o genro do rei, pronto na sua obediência e honrado na tua casa?
15 Comecei, porventura, hoje a consultar por ele a Deus? Longe de mim tal! Não impute o rei coisa nenhuma a seu servo, nem a toda a casa de meu pai, pois o teu servo não soube nada de tudo isso, nem muito nem pouco.
16 Porém o rei disse: Aimeleque, morrerás certamente, tu e toda a casa de teu pai.
17 E disse o rei aos da sua guarda, que estavam com ele: Virai-vos e matai os sacerdotes do SENHOR, porque também a sua mão é com Davi e porque souberam que fugiu e não mo fizeram saber. Porém os criados do rei não quiseram estender as suas mãos para arremeter contra os sacerdotes do SENHOR.
18 Então, disse o rei a Doegue: Vira-te tu e arremete contra os sacerdotes. Então, se virou Doegue, o edomita, e arremeteu contra os sacerdotes, e matou, naquele dia, oitenta e cinco homens que vestiam éfode de linho.
19 Também a Nobe, cidade desses sacerdotes, passou a fio de espada; desde o homem até à mulher, desde os meninos até aos de peito; e até os bois, jumentos e ovelhas passou a fio de espada.
20 Porém escapou um dos filhos de Aimeleque, filho de Aitube, cujo nome era Abiatar, o qual fugiu atrás de Davi.
21 E Abiatar anunciou a Davi que Saul tinha matado os sacerdotes do SENHOR.
22 Então, Davi disse a Abiatar: Bem sabia eu, naquele dia, que, estando ali Doegue, o edomita, não deixaria de o denunciar a Saul; eu dei ocasião contra todas as almas da casa de teu pai.
23 Fica comigo, não temas, porque quem procurar a minha morte também procurará a tua, pois estarás salvo comigo.
1 SAMUEL 21 e 22